3 de nov. de 2009

Um litro de lágrimas. [9]

Capítulo 9 - "Eu poderei...me casar?"  por Hiroko Yamamoto.

Introdução.

Recebi um telefonema da mãe de Aya em uma quarta-feira no final de setembro.Foi mais ou menos na hora do dia que os pacientes que esperam para serem examinados, e aqueles que já foram submetidos a exames começam a ficar um pouco cansados de ter que gastar tanto tempo no hospital.
Ela me disse que estava preparando para publicar o diário de Aya, que tinha escrito por um longo período.Ela queria me perguntar, como seu médico, sobre a doença que Aya tinha sofrido e sobre uma parceria com ela.
Enquanto aconselhava Aya para manter suas anotações em seu diário e os organizá-los em um livro, eu estava preocupado com o fato de que não havia muito que eu pudesse fazer para ajudá-la.Então eu estava muito aliviado e feliz ao ouvir que a publicação estaria a caminho.
Aya já não é capaz de se levantar sozinha e agora está de cama.Ela depende de alguém para ajudá-la a comer e fazer tudo por ela.
Sua mãe disse que queria terminar o livro o mais rápido possível por causa da filha.Eu senti um nó na garganta quando ouvi a forma de falar da mãe, eu concedi seu pedido.Ao mesmo tempo, pensei que olhando para trás, seria uma boa chance para eu pudesse colocar tudo junto, pois meu encontro com Aya também foi profundamente conectado com meu próprio crescimento como médico.
Você pode achar o que eu tenho a dizer sobre a doença incurável de Aya, degeneração espinocerebelar, um pouco difícil de acompanhar, mas eu espero que você leia cuidadosamente, pois é importante para compreender o modo de viver de Aya.

O que é degeneração espinocerebelar?

Um cérebro humano tem cerca de 14 bilhões de células nervosas, apoiadas por mais de dez vezes o número de células.As células nervosas são classificadas em vários grupos.Alguns funcionam quando você está se exercitando e outros quando você está observando, ouvindo, ou sentindo alguma coisa.Enquanto uma pessoa está viva, muitos grupos de células nervosas estão trabalhando.
As células nervosas dentro do cerebelo no cérebro, o tronco cerebral e da medula espinhal são necessárias para o corpo para manter o balanço reflexivamente, e para conseguir movimentos rápidos e suaves.Degeneração espinocerebelar é uma doença na qual as células nervosas mudam gradualmente e finalmente desaparecem.
Ainda não descobrimos porque comportam-se dessa maneira.Segundo as estatísticas nacionais existem pouco mais de 1000 pacientes que sofrem da doença no Japão.
No entanto, dizem que o número real de doentes é duas ou três vezes esse valor.O sintoma mais frequente da doença na fase inicial é quando você sente que seu corpo está balançando.A principio você pode pensar que é porque está cansado ou porque tem anemia, mas ela se desenvolve gradualmente para o estágio em que você não pode andar reto.
As pessoas podem começar a perguntar se você está bêbado.Outros sintomas incluem:
Visão embaçada; visão dupla; ou coisas que parecem sacudir; dificuldade em falar porque você não pode preparar a língua para determinados sons; dificuldade para urinar, e sensação de resíduos da urina mesmo depois de ir ao banheiro; sensação de desmaio quando está de pé, porque sua pressão parece cair de repente; etc.

Como a doença progride.

Os balanços aumentam, e você precisa de algum apoio quando está andando.Se ele fica pior, você não consegue ficar em pé sozinho com as pernas juntas.A pronúncia gradualmente torna-se obscura e seu ritmo de fala fica pior, então as pessoas não conseguem entender o que está dizendo.O movimento de suas mãos e seus dedos não podem ser controlados como você gostaria.Isso significa que você tem dificuldade para escrever e ninguém consegue ler o que você escreveu.Você não pode usar os pauzinhos para comer, e não consegue levar determinada comida até a boca, mesmo com uma colher.
E mesmo que alguém te ajude a comer, leva tempo para engolir, e  às vezes você pode engasgar e tossir arroz por toda a parte.

Esses sintomas progridem pouco a pouco, até que finalmente está de cama.Depois, existem vários perigos:
Escaras podem infectar; Você pode desenvolver pneumonia por causa dos alimentos que podem entrar pela traquéia durante uma falha para engolir; a urina é deixada na bexiga, e um aumento dos bacilos leva a uma cistite.
Como resultado de todos ou alguns desses sintomas, um paciente geralmente morre em cinco ou dez anos.

E não há remédio?

Hoje, não existe medicamento disponível.
A causa da doença ainda é desconhecida, então nós estamos tentando no escuro em relação ao tratamento adequado.Existe um remédio que pode impedir temporariamente que a doença avance, ou diminuir a velocidade do avanço.Chamou muita atenção, mas não tem sido usado por muito tempo e nós precisamos ter uma visão de longo prazo para sua eficácia.
Mas graças aos notáveis avanços da engenharia genética nos últimos anos, certamente é só uma questão de tempo até ser possível determinar o cromossomo em que há um gene que causa a doença, se a doença é hereditária.
Então talvez seja possível substituir esse gene por um gene saudável.Eu espero, sinceramente, que a voz triste dos pacientes da degeneração espinocerebelar e suas famílias possam ser adicionados ao debate sobre erros e acertos na manipulação genética.Mas isso é para o futuro.
As orientações mais eficazes para o momento, é para que pacientes continuem se exercitando e treinando.Eles devem manter a força dos músculos em seu corpo inteiro, e cuidar de si mesmo enquanto eles puderem.

Como você explica sobre a doença para os pacientes?

Não é difícil para médicos especialistas diagnosticarem a doença, no entanto, eles tendem a agonizar sobre como eles devem explicar aos pacientes e suas famílias.Alguns médicos preferem não dizer aos pacientes que não existe nenhuma possibilidade de melhorar.Em vez disso, eles encorajam seus pacientes com palavras como : "Não se preocupe, você será curado".
No entanto, eles sabem que a condição do paciente irá piorar gradualmente, e que é impossível para eles se recuperarem.Eles podem explicar isso para a família de pacientes em determinado grau.Outros médicos decidem desistir em desespero, e tudo que eles fazem é dizer ao paciente e sua família que é uma doença muito séria, que não há cura.
O que eu digo para meus pacientes é : "É muito difícil de curar essa doença.Existe também a possibilidade de que ela piore lentamente.Entretanto, hoje existem vários tipos de remédios sendo desenvolvidos".Então eu explico em detalhes por mais quantos anos o paciente, provavelmente, será capaz de andar, e quanto tempo mais ele será capaz de se sentar e mover suas mãos e pernas.
Os pacientes e suas famílias tendem a ficar temporariamente em choque com a notícia, mas eles logo recuperam o espírito normal e começam a planejar suas novas vidas e como viver sua vida social ao lidar com a doença.Alguns pacientes, no entanto, visitam vários outros hospitais na esperança de obter mais palavras tranquilizadoras sobre a cura.Eles nunca voltam para mim como ambulatoriais.
Isso me desencoraja, porque eu começo a me preocupar se eu não poderia fazer com que me entendessem corretamente.Eu tenho que concluir que para começar, nós não tivemos uma boa comunicação.
Eu acho que esses pacientes que ficam comigo e suas famílias têm pensamentos parecidos com os meus.
A pequena Aya Kito (me referindo a uma mulher crescida como essa pode soar estranho, mas para mim ela ainda é a 'pequena Aya' ) e sua mãe estavam entre eles.

Primeiro encontro com Aya.

Eu tinha acabado de voltar de uma estadia de três anos nos Estados Unidos.Eu estava trabalhando na quarta sala de estudos do primeiro departamento de medicina interna do hospital universitário de Nagoya (agora o departamento de neurologia) com o professor Itsuro Sofue.Estava ajudando a analisar dados nacionais em degeneração espinocerebelar.Eu também escrevi as conclusões do professor sobre os pacientes em seus registros de casos.
Uma segunda-feira, uma menina da escola secundária foi levada para a sala de exame por sua mãe.Nos últimos anos, o número de especialistas que estudam doenças nervosas em departamentos pediátricos aumentou.Então era raro uma criança vir para uma consulta no departamento de neurologia.Soube mais tarde que a mãe de Aya era uma enfermeira que trabalha para um centro de saúde em Toyohashi.Ela tinha descoberto que o professor era o líder da "equipe de pesquisa sobre degeneração espinocerebelar, uma doença indicada pelo Ministério da Saúde e Bem-Estar". Isso explica porque Aya se incomodou em vir por todo o caminho até nosso departamento de medicina interna.TInha sido a decisão da mãe.
No prontuário da garota que estava sentada no meio da sala de consultas no início da tarde estava escrito "Aya Kito, 14 anos". Seu rosto redondo e pequeno com os olhos bem abertos deu a impressão de que ela era uma menina brilhante.Seus olhos pareciam preocupados quando ela olhava em volta para o professor e sua mãe enquanto eles conversavam.
Após o primeiro exame, o professor diagnosticou degeneração espinocerebelar.Ele explicou para a mãe de Aya sobre a doença, deu instruções sobre como conseguir uma CT para Aya e verificar o interior do cérebro, um teste de oscilação de gravidade, e um teste de movimento do globo ocular.Esses testes proporcionariam uma análise melhor dos sintomas.Ele pediu para Aya voltar como paciente regular uma vez por mês para verificar suas condições.
Fiquei impressionado com a atitude positiva de Aya e sua mãe, apesar da grande ansiedade pressionando-as.Senti uma grande afinidade com elas.
Logo passei a ter meu próprio consultório, então não tive muita chance de ver Aya sendo examinada, mas eu ia muitas vezes ao hospital no mesmo dia, e nos encontrávamos no corredor.
A mãe de Aya aceitou o progresso da doença muito bem, às vezes ela me dizia com uma voz triste que o balançar de Aya estava aumentando e ela tinha tropeçado, ou que sua escrita estava mais desordenada.Algumas vezes ela também me informou alegremente que Aya estava indo bem na escola, estava tirando boas notas, e tinha um relatório interno do colégio elogiando sua boa atitude, então ela poderia entrar em uma escola secundária pública.Ela também me disse que Aya tinha passado no terceiro nível do Teste de Proficiência de Inglês, eu meio que defendi Aya, que estava fazendo seu melhor para lutar contra a doença.
"O terceiro nível desse teste é muito difícil sabe?", eu disse.
Contei com orgulho aos meus amigos, como se fosse minha própria filha.
Um dia, em torno do momento em que a cerejeira floresce no Parque Tsurumai e as pétalas rosa-claro começam a surgir, o rosto sorridente de Aya apareceu na esquina da cortina da minha sala de consultas.
"Dr. Yamamoto", ela disse, "eu passei no vestibular".
Enquanto eu respondia: "Parabéns e boa sorte!", não pude deixar de desejar que sua doença não se desenvolvesse muito, pelo menos antes de sua formatura..
Isso também me incentivou a prosseguir com minhas pesquisas sobre um novo remédio que estava sendo desenvolvido.A escola que Aya entrou era localizada em Toyohashi, em Aichi.Foi orientada para a preparação para exames de ingresso na universidade, sua vida escola começou bem animada, mas logo o desequilíbrio de Aya se agravou.
Ela já não podia ir para a escola de ônibus, um ônibus lotado todas as manhãs.Mesmo que sua mãe sempre estivesse ocupada como enfermeira, ela levava Aya de carro todos os dias.
Aya caiu algumas vezes quando ia de ônibus e veio ao ambulatório com cortes nos joelhos ou com caroços na testa.O rosto de sua mãe escureceu momentaneamente quando me disse que as notas de Aya no colégio pareciam estar piorando pouco a pouco.
Mas logo em seguida ela sorriu alegremente e disse, "Mas é porque a escrita dela é muito lenta durante os testes, ela corre contra o tempo.Então não tem jeito, tem?"
De fato, Aya não podia tomar anotações corretamente, ela também tinha que mudar de sala para diferentes aulas, e estava sempre atrasada porque seus movimentos estavam muito lentos.Sua escola aparentemente achava que era um grande problema.No entanto, seus colegas de classe a ajudaram muito, carregando seus materiais ou segurando sua mão quando viam que ela estava desesperadamente tentando andar.Posso imaginar o quanto ela era grata, mas também o quão frustrada ela deve ter se sentido sobre o corpo com deficiência.Mesmo assim ela estava sempre sorrindo e seus grandes olhos estavam ativos em seu rosto enquanto ele se tornava mais fino e pequeno.
Então foi decidido que ela deveria entrar no hospital durante suas férias de verão, a fim de experimentar o novo medicamento.

A admissão da pequena Aya ao hospital.

Aya ficou na ala hospitalar 4A no hospital universitário de Nagoya, ela era muito popular entre as enfermeiras.
Embora fosse uma estudante do ensino médio, o rosto de criança lhe dava um olhar angelical.Ela obedientemente seguia as instruções de todos, na esperança de ficar melhor, mesmo que só um pouco.
Ela planejou e praticou vários exercícios para as mãos e pernas, era impossível não gostar dela.
O novo remédio teve um ligeiro efeito, mas não reduziu os inconvenientes diários.As enfermeiras reclamavam para mim, dizendo "Dr. Yamamoto, a pequena Aya está trabalhando tão duro.Por que o senhor não pode fazer algo para ajudá-la?".
Senti uma derrota.
Nessa época, as palavras que estavam circulando era que o professor do hospital era uma autoridade em degeneração espinocerebelar.Muitos pacientes vieram para o nosso hospital de todos o país.Aya e U-kun, uma garoto um ano mais novo que Aya, eram os pacientes mais jovens e alegres.Mas alguns pacientes estavam de cama, se levantavam apenas para ir ao banheiro em cadeiras de rodas.
Observadora, Aya mencionou os nomes do pacientes em estado grave e me perguntou : "Será que logo vou ser como eles?"
Eu sabia que Aya tinha vários planos para o futuro.Dei algumas voltas, ela verificava cuidadosamente minhas reações enquanto me perguntou sobre eles.Eu tinha começado a sentir que estava chegando a hora de lhe explicar corretamente sobre a doença.
Então respondi, "Vai levar um bom tempo, pequena Aya, mas sim, você vai ser assim eventualmente".
Eu expliquei em detalhes o que aconteceria a ela com o passar do tempo: o balanço aumentaria gradualmente; eventualmente seria difícil andar; sua fala se tornaria obscura e poderia ser difícil entende-la; e escrever ou usar as mãos para qualquer trabalho manual se tornaria difícil.
Por alguns dias depois disso, ela estava muito deprimida, mas logo começou a me perguntar coisas positivas novamente: "Dr. Yamamoto por quanto tempo ainda serei capaz de andar?" ou "Você acha que eu poderia fazer esse tipo de trabalho?".Sentia muito por ela, mas pensei que era uma boa coisa ter explicado tudo.
Na verdade, depois disso, nosso vínculo se tornou mais forte, podíamos conversar abertamente sobre os sintomas graves da doença, e sabendo com antecedência o que viria a seguir tornou-se mais fácil para decidir o que fazer em seguida.
Sua permanência no hospital por aquele tempo, não foi capaz de fazer com que ela melhorasse muito.No entanto, acredito que ela deixou o hospital entendendo o que era mais importante para uma vida longa sobre tratamento médico, que ela teria que enfrentar.

Mudando para uma escola de deficientes.

O colégio de Aya pediu que ela deixasse a escola pois ela estava causando problemas para a sala toda.
Era o que temíamos que acontecesse.Amargamente desapontada, sua mãe me disse que seus colegas de classe estavam ajudando ela a subir e descer as escadas quando trocavam de sala dizendo : "Não tem problema Aya! Vamos ajudá-la do mesmo jeito no futuro".
Me senti mais brilhante quando soube que seus colegas estavam apoiando.
Sua mãe me disse que ia pedir na escola que sua filha pudesse ficar.
"Se os professores tiverem alguma dúvida sobre a doença de Aya", eu disse a ela, " ficarei feliz em explicar.Ou poderia ir com você para a escola"
Mas ela respondeu que preferia ir sozinha.Ela foi para a escola muitas vezes, apesar do horário de trabalho, e fez um forte apelo para as autoridades escolares para que Aya ficasse lá.Mas no final, foi decidido que Aya teria que se mudar para uma escola para deficientes.
O motivo, é que a escola foi projetada de modo que os alunos possam se movimentar livremente em cadeira de rodas.E também por ter instalações para reabilitação onde podem estudar enquanto estiverem em tratamento.Mas acho que foi um grande choque para a mãe de Aya, que junto com muitos colegas, estava brigando contra a mudança.
Quando ela me disse com uma voz triste que Aya estava mudando, senti um nó na garganta.
Acho que os administradores do colégio não sabiam como lidar com Aya.Suas conclusões foram que se existe uma escola especializada em crianças como ela, por que ela não a frequenta??
Mas me pergunto se causar problemas foi a única coisa que Aya fez na escola.Pelo o que ouvi, o desejo de cuidar de uma amiga deficiente surgiu muito naturalmente entres seus colegas, eles poderiam aprender muito sobre as atitudes sérias de uma amiga que estava tentando tão dificilmente viver.
Eu estava muito decepcionada com aqueles que estavam envolvidos em sua educação, eles nem sequer procuraram saber sobre a doença.Eles fizeram as coisas baseadas por um livro.
Hoje, a questão do assédio moral é muito falado, mas eu acredito que não havia nenhum indício de sombras obscuras sobre os colegas de Aya.
Muito mais tarde, quando Aya entrou no hospital novamente, me lembro dela dizendo para mim alegremente, "Por favor me dê permissão para sair, pois vou encontrar com meus amigos da escola".

Vida hospitalar no Hospital Universitário de Saúde de Nagoya.

Em abril de 1980, eu acabei minha tese de doutorado na Universidade de Nagoya.
Me mudei para ocupar um novo cargo no Hospital Universitário de Saúde de Nagoya, agora chamado Hospital Universitário de Saúde Fujita, em Toyoake, Aichi.
Até então Aya necessitava da utilização de uma cadeira de rodas elétrica, ela só podia viajar para o hospital de carro.
Por Toyoake ser mais perto de sua casa, ela também se mudou para o mesmo hospital onde agora eu trabalhava.
Ao examinar Aya na sala de consultas do novo hospital, eu comparei sua condição com o dia em que a conheci em Nagoya.Seu rosto estava mais cheio, e eu era capaz de compreender o que ela falava com mais facilidade.Mesmo que ela tenha dito que estava balançando, para os olhos dos outros ela andava normalmente... Depois de cinco anos, porém, ela precisava de alguém para empurrá-la por aí em sua cadeira de rodas, ela não conseguia pronunciar as palavras rapidamente mesmo que tentasse, ela apenas conseguia falar se contorcendo e esticando o pescoço, e seu jeito de falar era difícil para entender se fosse alguém que ainda não estava acostumado a isso...Eu fiquei chocado por sua deterioração.
Depois de deixar a escola para deficientes, Aya ficou em casa enquanto os outros membros de sua família estavam trabalhando ou na escola.Ela almoçava sozinha e cuidava de si mesma.Sua mãe ficava preocupada sobre possíveis acidentes enquanto estavam todos fora; Aya muitas vezes caiu dentro de casa, mesmo quando estava segurando em algo.De fato, toda vez que ela veio para o ambulatório, tinha machucados das quedas que causaram hematomas no rosto, braços e pernas.Haviam mais deles, e foi cada vez se tornando mais sério.
Ela entrou na enfermaria de medicina interna no oitavo andar do prédio dois, a fim de ter tratamento e reabilitação pela segunda vez.
Ela foi a primeira paciente de degeneração espinocerebelar dessa ala.
Eu era encarregado de sete ou oito pacientes, além de outros, todos com problemas no coração ou no sangue.Muitas enfermeiras eram jovens e algumas mais jovens que Aya.
Eu tinha pego o hábito de chamá-la de "pequena Aya". Era engraçado ouvir as enfermeiras mais novas que ela a chamando de "pequena Aya" também.Mas isso mostra o carinho que todos tinham por ela.
Aya operava sua própria cadeira de rodas. Ela lavava o rosto com as mãos deficientes, ia ao banheiro, e limpava a mesa de refeições.Ela foi para a reabilitação sem falhas, e lia livros sentada em uma cadeira ou em sua cama durante o dia.
Ela se interessou por artesanato e origami  que os outros pacientes ensinavam uns aos outros, mas ela estava angustiada por não poder fazer o que ela queria. A enfermeira chefe foi tocada quando ela olhava discretamente esses momentos.
Mais que qualquer outro na mesma parte do hospital, foram os pacientes mais velhos que foram movidos por Aya.Eles ficaram paralisados de um lado por causa de AVC, seus vasos sanguíneos se quebraram subitamente, ou se tornaram restritos.Eles não conseguiam mover as mãos e pernas como desejavam.Eles ficavam muito irritados e algumas vezes, faltavam nas sessões de reabilitação.Alguns deles já tinha quase perdido a vontade, não só para os exercícios, mas para a própria vida.No entanto, quando eles viram o grande esforço feito por Aya, que poderia ser neta deles, eles  se sentiram estimulados a fazer seus  treinamentos novamente.Eles começaram a dobrar e esticar os braços e as pernas em suas camas.
Tanto suas famílias como as enfermeiras estavam satisfeitos. Como seu médico, eu não poderia pedir mais.Eu tinha explicado os benefícios da reabilitação de novo e de novo cada vez que eu os visitava.Eu tentei dizer várias coisas para motivá-los, mas percebi que o que eu havia dito tinha menos efeito que o jeito que Aya os olhava enquanto empurrava tão dificilmente sua cadeira de rodas.
Os exames e o tratamento de pacientes não é o único papel do Hospital Universitário, mas tem também que realizar pesquisas e educar os estudantes de medicina, ensinando-lhes como se tornarem bons médicos.
Depois de estudar sobre as doenças de um modo geral, os alunos são divididos em dois pequenos grupos de seis ou sete pessoas.
Eles fazem uma ronda de visitas a um departamento diferente a cada uma ou duas semanas para examinar os pacientes.Eles lêem as anotações relevantes e recebem orientações do médico responsável pelo paciente.Esse é o currículo chamado "porikuri"  (policlínica).
Dois grupos, muitas vezes tem que permanecer no hospital durante a noite, e algumas vezes até dormir no quarto especial de 'porikuri' : os estudantes do departamento de cirurgia orientada, que tem que observar as operações, e aqueles que são do departamento de obstetrícia, que também tem que assistir ao nascimento de bebês.
Sinto pena dos pacientes que colaboram com esse currículo, mas eu sempre peço a eles, porque acho que é um jeito importante de formar bons médicos.Os pacientes concordam gentilmente, quando as visitas são repetitivas, os pacientes se acostumam com eles.Eles ainda adquiriam um conhecimento melhor por olhar as anotações carregadas pelos estudantes e ouvindo o que o médico explica para eles.
Revertendo os papéis, os pacientes algumas vezes até ensinam algo para os estudantes do próximo grupo que vem por aí.
Aya era da mesma idade dos estudantes do grupo, eu estava um pouco preocupado sobre o estado de sua mente, mas eu queria que os estudantes entendessem algumas coisas sobre sua doença.Eu refiz meus pensamentos e pedi para que ela cooperasse.
Ela concordou com um pequeno e molhado sorriso.
Três estudantes, dois rapazes e uma moça, foram responsáveis por Aya.Eles a examinaram cuidadosamente e estudaram muito sobre sua doença.Apesar de suas visitas terem acabado após uma semana, um dos rapazes às vezes ia ver Aya, à noite, enquanto ele estava estudando em um departamento diferente.
Ele foi abençoado com boa saúde e veio de um tipo de família em que era normal estudar medicina.Eu podia imaginar que ele ficou chocado ao saber das circunstâncias de Aya : entrando em uma escola com o objetivo de estudar e depois ter que se mudar para uma escola de deficientes por causa de sua doença.E ele sabia que a doença foi 'lenta mas progressiva'. Eu fiquei feliz ao ouvir que ele encontrou tempo para visitar Aya não apenas por causa de seu interesse na doença, mas por causa de sua bondade.Isso me sugeriu que ele poderia se tornar um bom médico.
Um dia, eu estava andando pelo corredor após terminar as visitas pelos quartos.Aya saiu de repente de sua sala com sua cadeira de rodas, como se ela estivesse esperando por mim.Ela parou ao lado de um hidrante na parede mal iluminada e me fez uma pergunta do nada :
"Dr. Yamamoto, eu poderei... me casar?"
Eu automaticamente respondi, "Não pequena Aya, não poderá".
Então pensei por um momento.Por que ela me fez essa pergunta?Talvez ela goste de alguém... será que é o estudante que vem visitá-la ???Pensando que eu deveria ouvi-la cuidadosamente, me agachei e olhei para seu rosto enquanto ela estava lá, sentada em sua cadeira de rodas.Fiquei chocado ao ver o olhar de surpresa em seu rosto.Ela estava claramente assustada com minha resposta.
Aya estava em um estado em que tinha que lutar até sobre pequenas coisas, e ela sabia que sua doença estava gradativamente piorando.Pensei que ela nunca pensaria em casamento no geral, a deixei pensando sozinha se poderia se casar ou não.
Agora eu percebi, no entanto, que a realidade era diferente : ela se tornou mais alta, seus seios tinham se desenvolvido, e ela estava tendo seu período regular.Isso sempre a incomodou porque faz com quem ela balance mais.Eu assisti Aya se desenvolver de garota para mulher, então por que nunca pensei que ela nunca pensaria sobre se casar e ter uma família?Senti vergonha de mim mesmo.Mesmo levando em conta que estamos profundamente interligados por tanto tempo, eu não pude compreende-la inteiramente.
Isso me fez refletir sobre minha conduta.Foi o maior choque que eu já tive vindo de um de meus pacientes.
Nunca me esquecerei os olhos grandes, os calafrios e a expressão de surpresa de Aya naquele momento.Suponho que minha resposta a pegou de surpresa.
"Por que  eu não posso?", ela perguntou.
"É porque meus filhos teriam a mesma doença?"
"Bem, você precisa de alguém para se casar", eu respondi o mais alegremente possível."Primeiro de tudo, você tem que encontrar alguém que compreenda sua situação e concorde em casar com você.Você tem alguém em mente?"
Foi uma resposta muito cruel, mas eu não queria dar-lhe uma resposta vaga que pudesse encorajá-la a criar uma ilusão.
Eu estava às lágrimas quando ela balançou a cabeça e disse, "Não".
Eu não sei o que veio primeiro, seu rosto se tornando nebuloso por causa de minhas lágrimas ou seus olhos enchendo de lágrimas.
Por um tempo, não consegui me mexer.Por vários dias depois desse incidente, eu ainda podia ouvir sua voz me perguntando, "Dr. Yamamoto, eu poderei... me casar?"
O aluno que a visitava de tempo em tempo, gradualmente parou de ir vê-la.Acho que ele está muito ocupado.Talvez em parte por causa disso, Aya se comprometeu a reabilitação, como se nada em especial tivesse acontecido.E ela parecia alegre.
Perto do final de sua estadia hospitalar, Aya começou a sofrer de hipotensão ortostática.Ela poderia ter dor de cabeça e sentir náuseas quando se levantasse.
Então um dos pacientes no mesmo quarto morreu repentinamente.
Aquilo fez com que a ansiedade de Aya sobre a morte fosse mais forte.Ela passou dias parecendo deprimida.
Novamente expliquei-lhe o que poderia acontecer com o progresso da doença, mas eu disse que teria um longo tempo até que ela tivesse que encarar a própria morte.Ela concordou, e pouco a pouco se tornou alegre novamente.
No entanto, ela começou a precisar de outras pessoas para cuidar dela.Ela se mudou para um hospital que permitia um cuidador para ficar com ela.Eu ia lá às vezes para ver os pacientes no meu campo especial.Mais tarde, ela se mudou para uns hospital mais próximo de sua casa, em Toyohashi.
Embora eu não tenha visto a mãe dela por mais de dois anos, ela continuou me atualizando sobre a condição de Aya.Ela consulta a mim e a um jovem médico da minha universidade, que foi enviado para o hospital onde Aya está internada agora.Então eu tenho uma boa noção de como ela está indo.Ouvi que ela é amada por todos não importa onde vá, e seu cuidador cuida dela com muito carinho e compaixão.
Sempre que meus pacientes com essa doença começam a ficar desanimados, eu os encorajo falando de Aya.
Recentemente, tenho pensado que na verdade sou o que mais foi encorajado por ela, mais que todos.

Hiroko Yamamoto
Assistente de professor,
(agora professor).
Departamento de Neurologia,
Fujita Health University Hospital.

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